Jornal Evangélico Luterano

Ano 2016 | número 794

Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 20:44

Comportamento

Etnias e migração na missão da Igreja

   Se fosse possível resumir a história povo de Deus em uma palavra, estava palavra seria caminho. O povo de Deus é um povo a caminho.

   As palavras caminhar e caminho aparecem inúmeras vezes na Bíblia, em ambos os Testamentos. O povo de Deus caminhou pelo deserto até a terra prometida. Profetas e profetizas foram vocacionadas por Deus para chamar o povo de volta para o caminho da justiça e do bem. Jesus foi um pregador itinerante que caminhou, cuidou, curou, tocou pessoas e questionou sistemas injustos, por toda a sua vida. Em Atos dos Apóstolos, o próprio movimento cristão desencadeado a partir da ressureição de Jesus é chamado de O Caminho. Jesus Cristo como o caminho, a verdade e a vida é um dos mais importantes credos da Igreja Cristã.

    Caminhos são possibilidades de ir e de vir, de partir e de voltar. Às vezes, por inúmeras circunstâncias, o caminho se torna longo e sem volta. É o caso de milhões de pessoas que, anualmente, precisam deixar o lugar em que nasceram e colocar-se a caminho. Tornam-se migrantes. Às vezes, precisam sair às pressas, sob rajadas de metralhadoras e estrondos de granadas. Outras vezes, vão com fome e com sede. Outras, ainda, fogem de perseguições baseadas em posição política ou crença religiosa.

   O mal, materializado no pecado da ganância, do individualismo, da arrogância e da violência, semeia espinhos, coloca pedras, ergue cercas e constrói muros pelos caminhos. Força pessoas a terem que caminhar, muitas vezes, no escuro, em direção a lugares e terras desconhecidas. Muitas delas, caem pelo caminho. Não chegam. Perecem. Muitas caem nas redes do tráfico humano.

   Um dos maiores exemplos modernos da força do mal e do pecado humano foi a morte do menino sírio Aylan Kurdi, cujo corpo pequenino as ondas do mar gentilmente depositaram e acariciavam em uma praia no território turco. Aylan é apenas uma das muitas pessoas que sucumbiram tentando chegar ao outro lado. Estima-se que, somente em 2015, na mesma região mediterrânea onde Kurdi morreu, mais de três mil pessoas tenham se afogado tentando a travessia.

    Informações oficiais das Nações Unidas, em seu programa de Metas para o Milênio, afirma que, em 2015, o número de migrantes internacionais (pessoas que vivem em país diferente daquele em que nasceram) alcançou 244 milhões, o que significa 3,3% da população mundial. Houve um aumento de 41% em relação ao número do ano 2000. Daquele montante, 20 milhões são pessoas refugiadas.

   Em 2015, dois terços de todas as pessoas migrantes internacionais viviam em apenas 20 países. Na liderança, estavam os Estados Unidos, com 19% do total. Depois, vinham Alemanha, Rússia, Arábia Saudita, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos. Do outro lado da moeda, os países que mais cedem imigrantes são Índia, México, Rússia, China, Bangladesh, Paquistão e Ucrânia.

   O Brasil não está indiferente aos novos movimentos migratórios. De acordo com o Registro Nacional de Estrangeiros de 2014, mais de 1,7 milhão de imigrantes vivem no país sob o Estatuto das Pessoas Estrangeiras.

   Várias são as razões que trazem pessoas para o nosso país. Dentre elas, destacam-se as questões econômicas (migrantes de países andinos e africanos), conflitos armados (nos últimos meses, da Síria) e desastres naturais (terremoto no Haiti).

   Tão importante quanto a migração internacional, há, no Brasil, intensos fluxos migratórios internos, que se movem e se modificam na medida em que as décadas passam. Há muitas populações que migram para as cidades em busca de trabalho. Tem populações indígenas que são desalojadas das suas terras ancestrais. Há movimentos de trabalhadores e trabalhadoras que buscam o acesso a terra. Há famílias agricultoras que perdem espaço para a construção de hidrelétricas ou para o agronegócio, que tem por base a monocultura e que depende de grandes quantidades de pesticidas e agrotóxicos.

   Como está a IECLB diante disso tudo? Não somos indiferentes. Apesar das limitações, sempre temos procurado dar o nosso testemunho. A IECLB é uma Igreja que tem na sua história claras conexões com os temas da migração e da etnia. Ela foi formada a partir de Comunidades de imigrantes, que aqui chegaram há quase 200 anos. Sozinhas e isoladas, as primeiras levas de imigrantes não tiveram outra escolha do que se organizar em confinamentos étnicos. Naqueles tempos, manter um pouco da cultura poderia ser a diferença entre a vida e a morte.

   Por muito tempo, a IECLB foi uma Igreja com forte conotação germânica. Traços deste passado remontam até hoje, especialmente em lugares onde permanece certa mistura entre confessionalidade e etnia. A IECLB era vista como ‘Igreja dos alemães’, mas sempre houve tentativas de abrir-se, de se tornar uma Igreja de Jesus Cristo em terras brasileiras. Um dos exemplos mais importantes dessa visão é a missão entre povos indígenas, que tem várias décadas e que luta para atualizar-se e permanecer importante diante de um cenário de perda de direitos, em todos setores.

Abrir-se para acolher pessoas migrantes é um mandato bíblico

   Novos ventos missionários sopram, tirando a poeira do caminho e forçando abertas as portas das Igrejas que não estão trancadas. Cabe mais gente na IECLB. Há lugar para todas as cores de pele, todas as receitas de cozinhar, todos os jeitos de orar, todas as formas de amar, todos os ritmos de dançar.

Aqui vocês têm lugar

   Abrir-se para acolher pessoas migrantes é um mandato bíblico – dos mais importantes. Ao falar sobre o juízo final, Jesus afirma que participarão do Reino de Deus quem acolhe as pessoas estrangeiras e as recebe em sua casa. (Mateus 25.35). Da mesma forma, a diversidade étnica é uma bênção, pois Deus não faz acepção de pessoas (Atos 10.34).

   Além disso, tanto a missão quanto a visão da IECLB não nos permitem sermos indiferentes à questão da migração e da diversidade étnica. Relembrando, a missão da IECLB é Propagar o Evangelho de Jesus Cristo, estimulando a sua vivência pessoal na família e na Comunidade e  no mundo. A visão é ser reconhecida como Igreja de Comunidades atrativas, inclusivas e missionárias, que atuam em fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo, destacando-se pelo testemunho do amor de Deus, pelo serviço em favor da dignidade humana e pelo respeito à Criação. 

   Nas vésperas dos 500 anos da Reforma, a IECLB quer e pode ser uma Igreja missionária. É portadora de um jeito especial de viver a liberdade dada pela graça de Deus. É herdeira de um tesouro teológico, o da justificação pela fé, que jamais pode ser reduzido a qualquer tipo de uniformidade.

   Queremos dar boas-vindas a todas as pessoas que estão no Brasil e, igualmente, a todas as que chegam ao Brasil. Queremos dizer a elas Aqui vocês têm lugar. Sabemos que braços abertos, ombros dispostos, pés sem preguiça e bolsos generosos podem signifi car vida, ao invés de morte. Participar da reconciliação do ‘povo arco-íris de Deus’ (Nelson Mandela) pode ser uma das tarefas mais nobres diante de nós. promovendo a paz, a justiça e o amor na sociedade brasileira.

 

   P. Dr. Mauro Souza, formado pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, com Mestrado e Doutorado pelo Graduate Theological Union, em Berkeley, na Califórnia, nos Estados Unidos. Atua como Secretário da Ação Comunitária, na Secretaria Geral da IECLB, desde dezembro de 2010

 

 

 

 

 

 

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