Igreja e Sociedade



ID: 2797

EST sedia Seminário Internacional sobre religião na era da Globalização

28/04/2006

Um globo em busca da sua alma

Um globo em busca da sua alma foi o tema da palestra de abertura do Seminário Internacional: Religião numa era de Globalização, sediado pela Escola Superior de Teologia (EST), de 18 a 20 de abril, em São Leopoldo. Promovido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (Nepp) do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG) da EST, o evento teve palestras presenciais e também vídeo-conferências, estas a cargo de professores da Faculdade de Teologia da Universidade de Oslo, Noruega.

A palestra inicial foi apresentada em forma de vídeo-conferência pelo teólogo norueguês Dr. Sturla J. Stälsett. Com a metáfora que deu o título à sua palestra (Um globo em busca da sua alma), Sturla, hoje secretário geral da Missão Urbana na Noruega, perguntou pelos candidatos que postulam ser a alma deste planeta globalizado.

Para o conferencista, a “religiosidade” neoliberal, religiosidades fundamentalistas, religiosidade pentecostal e ecumenismo/teologia de libertação, se apresentam como candidatos à alma do globo. Posicionando-se ao lado da última candidata, Sturla garante que a globalização vem se fazendo num vazio ético.

Na convicção de Stalsett, a candidata ou candidato preferido será aquele que oferecer um ethos, um pathos e um cultus, que deverão “resolver a tensão entre universalidade e particularidade (...), diminuir o nível de conflito na sociedade global, e servir de inspiração e guia para re-orientar o processo de globalização rumo a uma sociedade mais justa e inclusiva”. Mesmo votando a favor de um candidato, Stalsett acredita que o mais provável “é que o globo siga com várias almas em disputa interna”.

PENTECOSTALISMO - O Seminário teve continuidade com as apresentações do Dr. Berge Furre, também professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Oslo, historiador, teólogo e vice-presidente do Comitê Nobel, e da psicóloga e teóloga batista brasileira Dra. Mary Ruth Esperandio.

A exposição de Furre trouxe aspectos históricos do pentecostalismo a partir dos USA, sem esquecer o desenvolvimento desse fenômeno na sua própria terra natal, a Noruega. Normalmente, os estudiosos do pentecostalismo moderno ignoram a Europa (Suécia e Noruega, entre outros) como uma das raízes do movimento pentecostal brasileiro. Por exemplo, os pioneiros da Assembléia de Deus no Brasil, Gunnar Vingren e Daniel Berg, são oriundos da Suécia, país profundamente marcado pelo luteranismo de Estado. À margem da religião oficial, o pentecostalismo responde a perguntas esquecidas pelas igrejas oficiais, aqui e alhures.

Mary Esperandio caracterizou a religiosidade contemporânea a partir do estudo da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), sua tese de doutorado. Os resultados de sua pesquisa, em continuidade com os estudos de Berge Furre, apresentam um forte candidato à alma do globo, a Iurd, como centro de terapia espiritual – que bebe de todas as fontes religiosas, sintetizando-as a partir de um modo de subjetivação capitalista.

ISLAMISMO - Não se pode falar de religião numa era de globalização sem fazer uma referência ao Islã, cujo filho extremista também foi apresentado como um candidato à alma do globo. Por esta razão, um dos pesquisadores luteranos do tema em Oslo, Dr. Oddbjorn Leirvik se fez presente por meio de uma vídeo-conferência, apresentando um tema que interessa ao Ensino Religioso: Forçar a tolerância encoraja a consciência? O pastor Leirvik fez uma análise detalhada dos conceitos “consciência”, “solidariedade” e “tolerância”, uma pesquisa que se fundamenta na análise de textos didáticos do ensino da religião do Egito e de outros países de forte influência muçulmana. Trouxe exemplos de como determinados textos didáticos usados em escolas públicas apresentam outros povos com preconceitos.

Num contraponto ao fundamentalismo islâmico foi realizado um Cine-debate. A exibição do filme Ten (dez), do diretor Abbas Kiarostami, mostrou o cotidiano de mulheres muçulmanas sob o peso da burka e do chador (traje que cobre o corpo e cabeça) e das tradições islâmicas.

São dez diálogos que ocorrem dentro de um automóvel dirigido pela atriz principal. Os diálogos vão acontecendo enquanto ela dirige pela sua cidade, que bem poderia ser Porto Alegre, Rio de Janeiro ou outra cidade de grande porte. Seus diálogos são travados com o filho e mulheres que representam diversas facetas da vida: idosa, religiosa, prostituta, separada como ela, entre outras.

Tive a impressão que no cotidiano da vida, com suas perguntas-dilemas, somos mais universais. O cotidiano daquelas mulheres não se distingue do cotidiano da maioria das mulheres de nossas cidades ocidentais. O filme propiciou um rico debate. Sob o peso de grandes tradições religiosas que nos parecem tolhedoras da liberdade, há pequenas lutas diárias que transcendem fronteiras e mostram que nem tudo é opressão e mulher-bomba. É possível rir do poder e dos poderosos.

ENSINO RELIGIOSO - Com este pano-de-fundo, houve exposições sobre o lugar do Ensino Religioso na Escola Pública. Berge Furre abordou a questão religiosa na escola pública da Noruega numa perspectiva histórica. O marco inicial da questão encontra-se na forma como o seu país se tornou luterano. Não o foi por conversão ou adesão, mas pela força da guerra. Os vencedores nos conflitos fizeram o rei, que substituiu o papa. Assim, por séculos a educação religiosa era uma preparação para a confirmação (catequese). A partir de meados do século passado estabelece-se uma discussão entre os defensores do ensino cristão e o humanismo secularizado. O dilema ainda persiste, acrescido de outros aspectos provenientes da presença de muçulmanos e outras religiões. Os luteranos conservadores suspeitam da substituição da educação cristã pela disciplina “o conceito de vida” e os muçulmanos desconfiam dos defensores da Federação Humanista. Logo, o dilema continua.

A contribuição do padre anglicano uruguaio Enrique Antonio Illarze Delgado, de Porto Alegre, apresentou a legislação que sustenta a proposta de ensino religioso na escola pública brasileira, que se firma no fato de ser facultativo ao indivíduo e um obrigação curricular da escola. Enfatiza que o Ensino Religioso, na forma como está se configurando na escola, é uma idéia recente, que nasceu na Constituinte de 1998, mas que foi normatizado apenas nove anos depois.

Convencido da proposta, padre Enrique defende o Ensino Religioso como área de conhecimento como preconiza a lei – ao lado das outras nove disciplinas, como matemática e história, por exemplo. Está, segundo ele, sepultada a idéia do ensino cristão na escola pública brasileira. O cristianismo é uma religião ao lado das outras e deve ser ministrado por pessoas preparadas para tal fim.

Na mesma linha de raciocínio, o professor Dr. José Ivo Follmann, da Unisinos, enfatizou o diálogo inter-religioso como uma temática central para o século XXI. Questionado a respeito dessa posição, Follmann disse que, justamente em razão da pulverização das grandes instituições religiosas, o diálogo inter-religioso se faz necessário. Ele pode ser um fator de coesão na fragilidade das instituições. Além disso, destacou que é tarefa primordial do Ensino Religioso, à base do diálogo, despertar as crianças e os jovens a encarar a pobreza como uma situação a ser superada.

MESA REDONDA – No último dia do seminário houve mais uma mesa redonda, integrada pelas professoras da EST Dra. Adriane Rodolpho e Dra. Elaine Neuenfeldt. Adriane falou sobre possessão, êxtase e gênero. Professora de Antropologia da Religião e Cultural da EST, valeu-se de sua pesquisa de doutorado em Antropologia feita em Paris.

Professora de Teologia Feminista da EST, Elaine trouxe uma análise das práticas religiosas das mulheres do Antigo Testamento que se situavam na esfera doméstica. As situações relativas ao cuidado no parto e dos mortos, entre outras, não passavam pelo templo, lugar de domínio do sacerdócio masculino, apontou. 

RECONCILIAÇÃO – “Reconsiderando os caminhos para a reconciliação” foi o tema da última vídeo-conferência do Seminário, apresentada pelo Dr. Kjetil Hafstad, também da Universidade de Oslo. Hafstad apresentou os resultados de uma pesquisa feita entre professores de Teologia da antiga Alemanha Oriental, onde buscou levantar opiniões quanto à necessidade de reconciliação em razão das traições e delações de amigos ou vizinhos junto à polícia secreta comunista. 

AVALIAÇÃO – Numa avaliação minuciosa, novos temas foram sugeridos para a continuidade do debate. Entre eles foram destacados os projetos de comunicação que inserem igrejas de forma conivente no processo de globalização. Também foi destacado que a globalização não é um fenômeno recente. Os grandes impérios tiveram pretensões globalizantes, mesmo sem os recursos técnicos disponíveis no presente. Da mesma forma, não devemos rechaçar a globalização como um processo naturalmente malévolo. Há riscos e possibilidades nela.

Diria também que o cristianismo se tornou uma religião global porque em sua proposta inicial havia um plano de alcançar todos para Jesus. “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as......” ( Mateus 28, 16-20) é um imperativo globalizante, que muitas vezes foi entendido como impulso para impor a fé, pela pressão das armas, mas pode ser considerado um convite para uma outra globalização, baseada na fé, na gratuidade, na justiça e no diálogo, onde caibam todos os seres vivos.

A parceria embrionária entre projeto de pesquisa sobre Religião e Globalização (Riga) da Universidade de Oslo e o Núcleo de Estudo e Pesquisa do Protestantismo continuará com o apoio do IEPG/EST. Os conteúdo dos debates, das vídeo-conferências e das palestras do seminário estarão no site www.est.com.br/nepp dentro das próximas semanas.

Fonte: Oneide Bobsin - professor de Ciências da Religião
 


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