IECLB e Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC)



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Uma secretária geral para fortalecer a bandeira das mulheres

15/08/2012

Ao completar 30 anos de fundação, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) passou a ter a primeira mulher à frente da secretaria geral. A pastora luterana Romi Márcia Bencke assumiu suas funções no início de agosto, em Brasília.

Ela assume o organismo ecumênico nacional quando busca reformular sua identidade num contexto religioso e ecumênico muito diferente daquele quando foi criado, em 1982. Mas procura, ao mesmo tempo, manter-se fiel ao chamado ecumênico original. Além disso, o crescimento das igrejas neopentecostais, o aumento dos que se declaram sem religião e a atual limitação de recursos financeiros do CONIC, forma um cenário desafiador para a nova secretária geral.

Natural de Horizontina, Rio Grande do Sul, Bencke cursou teologia na Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo, de 1992 a 1997. Durante esse período, realizou um ano de intercâmbio no Seminário Ecumênico de Matanzas, Cuba, onde escreveu dissertação sobre o diálogo inter-religioso com a Santería, uma expressão religiosa afrocubana.

Depois de atuar por um ano numa comunidade de migrantes, em Alta Floresta do Oeste, Rondônia, foi ordenada ministra da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e, entre 1999 a 2006, atuou como pastora em São Sepé, no Rio Grande do Sul, onde, paralelamente colaborou com Centro Ecumênico de Capacitação e Assessoria (CECA), ao assumir o Programa Fé e Cidadania.

Além de Teologia, Bencke tem especialização em Projetos Sociais e Culturais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, atualmente, cursa o mestrado em Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora, sobre o tema “Ecumenismo, valores sociais e modernidade: a percepção dos agentes eclesiais”. Temas como relações de gênero, religião e modernidade estão presentes na teologia e no trabalho de Bencke, cujo mandato à frente da secretaria geral vai até 2015.


Pergunta: Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou uma pesquisa sobre o cenário religioso no Brasil. Um dos dados mais expressivos foi o aumento do número de pessoas que se declaram “sem religião”. Como é assumir um conselho de igrejas considerando esta realidade?

Romi: O aumento do número dos que se declaram “sem religião” é um dado importante para analisar a realidade brasileira. Nosso contexto social ainda é pouco secularizado, pois, mesmo com o aumento desse grupo, ainda somos um país majoritariamente religioso. O censo do IBGE chama a atenção para dois fatores. O primeiro indicador interessante é este, o do aumento dos “sem religião”. Esse dado poderia indicar que o Brasil pode estar passando por um processo de secularização. Nesse processo, as pessoas podem assumir, expressar e pautar suas vidas a partir de valores sociais, que não necessariamente possuem uma fundamentação ou inspiração religiosa.

Esse é o primeiro indicador. O outro aspecto que o censo do IBGE aponta é que um número significativo de pessoas se declaram religiosas, mas não assumem uma pertença religiosa institucional, indicando que pode estar em curso no Brasil um processo de desinstitucionalização religiosa. Essas pessoas procuram uma religião, por alguma razão muito específica, e tendem a migrar de uma expressão religiosa a outra conforme as suas necessidades e ofertas do mercado religioso. Essa é uma característica da realidade brasileira. Assumir o CONIC nessa conjuntura é um grande desafio, pois o dado do IBGE nos desafia, nos faz perguntar acerca de como queremos ser igrejas cristãs no contexto brasileiro.

Pergunta: Qual a sua análise da natureza e papel do movimento ecumênico num país que respira tantas expressões religiosas diferentes? Qual o papel do diálogo e inter-religioso?

Romi: Sou uma entusiasta do diálogo inter-religioso. Acho que o Brasil vive uma conjuntura grande de desigualdade social e violência, e a religião pode desempenhar um papel positivo nos esforços de superação dessas realidades injustas. Neste sentido, o movimento ecumênico, do qual o CONIC é um dos porta-vozes, é um espaço de articulação importante de temas e ações em torno de questões que são comuns a todas as religiões, como a defesa dos direitos humanos e o cuidado com a natureza. Se ainda encontramos, em algumas igrejas, muita resistência em relação a celebrações inter-religiosas, creio que não há motivos para deixarmos de nos empenhar em torno de causas humanitárias e ecológicas, por exemplo.


Outro aspecto importante é que um conselho de igrejas como o CONIC serve de contraponto diante de expressões religiosas mais exclusivistas ou fundamentalistas. Acho que temos um papel importante a desempenhar nesse debate.

Pergunta: As redes sociais têm transformado não só a forma como as pessoas partilham informações, mas também a comunicação institucional. Você espera o CONIC presente nesses espaços?

Romi: Acabamos de lançar uma nova página e criamos perfis em redes sociais, como Twitter e Facebook, com o intuito de dar maior visibilidade para o trabalho do CONIC e mobilizar mais pessoas para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Esperamos que essas mídias possam fortalecer nossas redes e mobilizar mais grupos em torno da Semana de Oração.

Pergunta: Atualmente, cinco igrejas compõem o CONIC: A Igreja Presbiteriana Unida, A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, A Igreja Siriana Ortodoxa de Antioquia e a Igreja Católica Apostólica Romana, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Você planeja trazer mais igrejas para o CONIC?

Romi: Talvez sim, mas isso depende de um processo interno de discussão com as igrejas que compõem o CONIC. Elas devem decidir. A diretoria e o conselho curador (presidentes das igrejas) deveriam estabelecer critérios. Vamos tornar o CONIC mais aberto? Vamos visitar as lideranças de novas igrejas? As respostas a essas perguntas, num contexto como o brasileiro, onde a cada dia surge uma nova igreja, é extremamente importante e tem que vir das lideranças das igrejas que compõem o Conselho. Creio que se a questão for colocada diretamente, sem um debate anterior, haveria certa resistência quase natural a expressões (neo)pentecostais. Por isso, talvez tenhamos que discutir primeiro o cenário religioso brasileiro e, a partir dessa análise, definir critérios e processos para o convite e acolhimento de outras igrejas. Quando olhamos para a história do CONIC, vemos que já tivemos mais igrejas-membro.

Pergunta: Existe outro espaço ecumênico de articulação, diálogo e ação no Brasil chamado Fórum Ecumênico ACT Brasil (FE ACT Brasil), no qual o CONIC participou com maior ou menos intensidade nos últimos anos. Como você pretende se relacionar com o FE ACT Brasil?

Romi: Pessoalmente, acho que o CONIC tem que somar forças neste espaço. A nossa diretoria quer ver o CONIC mais ativo nesta articulação, porque historicamente sempre contribuímos no FE ACT Brasil. Nada mais justo que retomarmos a participação ativa nesse espaço. Agenda do ecumenismo brasileiro está passando muito pelo FE ACT Brasil, com esta união em torno da defesa dos direitos fundamentais das pessoas e da natureza.

Pergunta: Qual o papel da juventude?

Romi: Acompanho um pouco o trabalho da Rede Ecumênica da Juventude (REJU) pelo Facebook. Acho ótima a articulação que esta rede promove, articulando os jovens do Brasil inteiro. Percebo que há uma abertura inter-religiosa importante e entendo que é uma iniciativa que deve ser apoiada e motivada.

Pergunta: A maioria dos jovens que participam da REJU não vêm dos grupos de juventude das igrejas-membro do CONIC, mas de projetos apoiados por agências e organismos ecumênicos ou ligados a igrejas, como a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), KOINONIA e a Fundação Luterana de Diaconia, por exemplo. Qual a sua análise dessa realidade?

Romi: Vivemos um momento de desinstitucionalização das religiões. As pessoas se assumem como religiosos, mas isto não significa que elas têm um vínculo institucional. Essa é uma mudança interessante no cenário religioso brasileiro. Esse é mais um indicador da importância do movimento ecumênico, que, pode ser tanto um espaço de diálogo entre as igrejas, como um ambiente que congrega pessoas que querem praticar sua fé e estar inseridos em algo, mas que não querem o vínculo institucional. O movimento ecumênico acaba sendo o vínculo indireto que as pessoas têm com as igrejas. Nesse sentido, a REJU é um desafio positivo às juventudes das igrejas.

Pergunta: Você é a primeira mulher a ser secretária geral do CONIC. Qual a sua leitura desse marco?

Romi: Uma das principais reivindicações de nós, mulheres ativas no movimento ecumênico, tem sido que as mulheres também passem a ocupar espaços de direção em organismos e espaços ecumênicos e espaços ligados a igrejas. Por isso, o fato de eu assumir este cargo pode sinalizar uma pequena, mas significativa mudança nos espaços de direção das igrejas e dos organismos ecumênicos. Ter sido acolhida no momento em que a presidência do CONIC é exercida por um bispo católico também demonstra uma abertura interessante. Tenho recebido muito apoio de diversas pessoas da Igreja Católica, que demonstram felicidade com o fato de eu assumir esta tarefa.

Outra questão significativa de assumir este cargo neste momento é que a pesquisa do IBGE, da qual falamos acima, também mostrou que a maioria das mulheres no Brasil se assume como religiosas.

O fato de uma mulher ser a secretária geral do CONIC reflete a necessidade de ampliar, cada vez mais, o compromisso do movimento ecumênico com as lutas das mulheres. Também acredito que temos uma grande responsabilidade de refletir sobre a realidade das mulheres no contexto brasileiro, em que a maioria de nós se declara religiosa e que, ao mesmo tempo, vive situações de violência e agressão bastante significativas. Por isso, poder refletir sobre qual o papel das mulheres cristãs e de outras religiões na defesa de todas as mulheres é um desafio grande. Eu me sinto responsabilizada em fortalecer as bandeiras das mulheres.

Pergunta: O Conselho Mundial de Igrejas vai celebrar em 2013 sua 10ª Assembleia, em Busan, República da Coreia, sob o tema “Deus da vida, guia-nos à justiça e à paz”. Como essas três categorias (vida, justiça e paz) se refletem na sua teologia?

Romi: Ao ler o tema da próxima Assembléia do CMI, imediatamente vem à cabeça temas relacionados à transformação das relações econômicas, sociais, ambientais e de gênero. Não há o que justifique que em um país como o Brasil, que tem indústrias significativamente fortes e riquezas naturais, ainda exista um contingente grande de pessoas que vivem em absoluta pobreza. A concentração da riqueza é uma das causas da injustiça em nosso país: 10% da população mais rica detêm 75,4% de toda riqueza do país. Isso é absurdo.

O segundo tema que vem à cabeça são as restrições culturais, políticas, econômicas que impedem que as mulheres tenham acesso à justiça de maneira ampla. Ainda temos muito que avançar para que as plataformas internacionais relacionadas aos direitos das mulheres sejam concretizadas no Brasil. Ao considerar que 93% das mulheres brasileiras se assumem como religiosas, o compromisso das igrejas se torna essencial para que as reivindicações das mulheres sejam visibilizadas e concretizadas.

 

-  Marcelo Schneider é doutor em Teologia, mora em Porto Alegre e trabalha como correspondente de comunicação do Conselho Mundial de Igrejas.

Um cristão não pode ser ofendido a tal ponto que não possa mais perdoar.
Martim Lutero
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