Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Mateus 13.1-9, 18-23 - 7° Domingo após Pentecostes - 16/07/2023

Auxílio Homilético

16/07/2023

 

Prédica: Mateus 13.1-9, 18-23
Leituras: Isaías 55.10-13 e Romanos 8.1-11
Autoria: Adélcio Kronbauer
Data Litúrgica: 7° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 16/07/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII

 

Produzir muito, mas o quê?

1. Introdução

Os textos previstos para este 7º Domingo após Pentecostes se relacionam tematicamente no sentido de apontar para os resultados práticos da Palavra proclamada. Ela tem um desígnio, que é a sua concretização e a transformação de uma realidade. A parábola do semeador narrada no Evangelho de Mateus nos pode levar a pistas mais detalhadas a respeito da produção de frutos como resultado da semeadura da Palavra.

2. Contextualização do evangelho

O Evangelho de Mateus absorve material de uma fonte conhecida como Q e do Evangelho de Marcos. A fonte Q é um documento hipotético, cuja existência é defendida a partir daqueles materiais que Mateus e Lucas possuem em comum e que não se encontram em Marcos. Ela também é chamada de fonte dos ditos, pois aparentemente reunia apenas palavras de Jesus, sem a preocupação de narrar uma biografia de Jesus, nem mesmo a história de sua paixão. No caso da parábola do semeador, foi o Evangelho de Marcos que serviu de fonte para Mateus, já que ela se encontra também no segundo evangelho.

Localizamos a redação do Evangelho de Mateus (assim como a fonte Q) na região da Galileia, onde o cristianismo primitivo tinha características peculiares. No caso da fonte Q, a divulgação do Evangelho por esse grupo era realizada por pregadores itinerantes despossuídos de bens ou riquezas. Inclusive há ditos que propõem um critério para ser seguidor: o desapego aos bens. Esse desapego não está somente relacionado a uma opção voluntária, mas diz respeito também ao contexto social das pessoas que compõem o movimento de Jesus. Trata-se de gente sem posses, riquezas e poder. Trata-se de camponeses a tal ponto despossuídos, que, para terem o seu sustento garantido, tinham que também desempenhar algum outro ofício. O cristianismo primitivo na região da Galileia está relacionado com a vida camponesa, que percebe a cidade como o lugar da ambição, do fascínio pelas coisas deste mundo, entre as quais principalmente o poder e as riquezas.

O domínio romano impõe uma forma distinta de extorsão em relação aos camponeses. Antes, ainda que estrangeiros dominassem essas regiões impondo cargas tributárias pesadas, não houve a perda da posse da terra. Já com a chegada do domínio romano, houve também a transferência da propriedade rural para a mão de aristocratas. Camponeses ficaram despossuídos de forma forçada. Provavelmente o cristianismo primitivo da Galileia estava relacionado mais diretamente com esses camponeses despossuídos ou empobrecidos.

Duas cidades chamam a atenção nesse cenário: Séforis e Tiberíades. Séforis, muito próxima de Nazaré – a noroeste, e Tiberíades, às margens do lago da Galileia. Essas duas cidades abrigavam o Sinédrio e eram centros administrativos sob controle das autoridades romanas, portanto centros de poder político-econômico e religioso. Ambiente de confrontos/conflitos culturais, uma vez que a partir delas se espalhava a cultura greco-romana, tendo a língua grega como um item relevante – religioso, político e econômico. Nesse contexto, o cristianismo primitivo marca presença com a esperança pelo reino, um outro reino. Um reino cujo princípio está fundamentado em ditos de Jesus, de uma forma muito especial nas parábolas.

O Evangelho de Mateus contextualiza suas fontes (os ditos de Jesus e o Evangelho de Marcos) para o seu momento vivencial. Deve ter sido escrito entre os anos 80 e 90 do primeiro século. Sua redação ocorre após uma década de revolta judaica contra a dominação romana, que culmina com a destruição de Jerusalém e do templo no ano 70. Após a revolta ser aplacada pelos romanos, o judaísmo entra em uma nova fase de sua existência, tendo que se readaptar sem o referencial religioso do templo de Jerusalém e a perda total da capacidade política sobre a Palestina, que já era ínfima antes. A redação do evangelho coincide com o período do imperador romano Domiciano (81-96 d. C.). O período incide também sobre o período de redação do livro do Apocalipse. O Evangelho de Mateus é, pois, resultado de uma contextualização, tendo como fontes principais testemunhos literários anteriores.

Diferentemente da fonte Q, porém, Mateus pressupõe uma realidade urbana, onde o judaísmo estava em transformação. O processo de reagrupamento dos judeus, agora sem alguns referenciais destruídos pela guerra, denominou-se de judaísmo formativo ou rabínico. Havia grupos distintos que conflitavam entre si, como, por exemplo, os que queriam reconstruir o templo e os que viam nele um aspecto negativo, julgando-o como um centro de poder e controle sobre a população. Nessa situação, o Evangelho de Mateus se propõe a formular a nova forma de viver a religião. Mateus é um evangelho cuja redação é pensada para um contexto de reconstrução da religiosidade. A comunidade do Evangelho de Mateus é hegemonicamente formada por pessoas que conhecem e vivenciam a cultura e a religião judaica. Além dos problemas sociais citados, que devem ter se deteriorado com o desfecho das revoltas, acrescenta-se o embate da reconstrução da religiosidade, quando diferentes grupos se apresentam como o legítimo judaísmo na tarefa de reconstruir as tradições e a história do povo de Deus. O Evangelho de Mateus pode ser entendido como uma das propostas. A comunidade do Evangelho de Mateus, no entanto, foi excluída do processo. Esse conflito é bem visível ao longo do evangelho.

O Evangelho de Mateus propõe a esperança em um reino, o Reino de Deus, cuja base não são as riquezas e o poder, nem os sacrifícios de expiação, tendo como centro um templo, mas a abdicação, a abnegação, o abandono da ambição com coisas passageiras deste mundo bem como uma esperança escatológica, cuja tradição já vem fundamentada no Evangelho de Marcos, uma de suas fontes.

3. Exegese e meditação

No capítulo 13, Mateus apresenta uma série de parábolas com o claro objetivo de revelar princípios, características do Reino de Deus (Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei coisas ocultas desde a criação – 13.35).

A parábola do semeador, texto previsto para a mensagem, revela que o reino produz frutos. Para produzi-los, há uma lógica natural: semear, germinar e frutificar. Comparando, seria o equivalente a ouvir, compreender e frutificar. Há, porém, alguns problemas como a terra seca, a terra pedregosa e os espinhos. Comparando, seriam o inimigo, as angústias e a perseguição, bem como os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas. Além dos problemas que prejudicam a produtividade, não se diz qual exatamente é o fruto.

Quem semeia identifica, com certa facilidade, quem são os inimigos que fazem com que a semente nem sequer venha a germinar (a terra seca e dura). Sabe por experiência que o solo pedregoso costuma ter menos substância para as raízes das plantas, e que quando outras plantas não desejadas se desenvolvem (espinhos), as que foram semeadas costumam ser sufocadas. A explicação da parábola sublinha que a palavra é a semente, o ouvinte é o solo, mais precisamente o seu coração. Na primeira situação, em que a semente (Palavra) cai em solo seco e o maligno recolhe a semente, não é dito quem ele é. Na segunda condição, em que a semente cai em terra pedregosa, se diz que logo ocorre euforia, mas em seguida, por causa das perseguições em função da Palavra, o ouvinte da Palavra se escandaliza. Nesse caso fica evidente o problema real, ou seja, a perseguição, mas não está evidenciado quem a efetua. Na terceira condição, quando se aponta para a presença de espinhos, a semente germina, a planta cresce, porém não frutifica. Aí se diz que os espinhos são a fascinação das riquezas. O termo grego utilizado (apatē) pode ser também traduzido como sedução, engano ou dissimulação pelas riquezas. Espinhos também são comparados aos “cuidados” do mundo, conforme tradução de Almeida. No entanto, o termo aiōn poderia ser traduzido como século e merimna como ansiedade ou zelo, resultando em “ansiedade ou zelo por este século”. É o que sugere também a obra Novo Testamento Interlinear Grego--Português, de Scholz e Bratcher, editada pela Sociedade Bíblica do Brasil.

Quem poderia ser o maligno? Um ser sobrenatural que toma conta do coração do ouvinte, impedindo a semente da mensagem de Jesus de germinar? Um ser que se apossa da semente? Ou ações cujos autores podem ser nomeados? A tendência nas Sagradas Escrituras é mostrar o maligno sempre de forma encarnada, ou seja, apontar suas ações, o resultado de suas ações e, muitas vezes, os próprios autores. Verificando o contexto do Evangelho de Mateus, a encarnação do maligno se dá por intermédio de autoridades e grupos influentes que se posicionaram de forma veemente contra a divulgação da mensagem evangélica e na forma de viver que ela implicava. Podemos identificar o maligno hoje? Podemos falar abertamente disso em uma pregação em um culto?

No que consistia a perseguição e quem seriam os perseguidores? Provavelmente no contexto do Evangelho de Mateus destacavam-se a perseguição econômica, psicológica e religiosa. Pessoas em cujos corações florescia a mensagem eram empurradas para a margem da convivência, excluindo-as das relações econômicas, sociais e expulsas da Sinagoga (Lima, 2010, p. 49-52). Diante disso, a euforia era vencida pelo escândalo. Bem possível que tivessem imaginado que tudo deveria ser perfeito, que não poderiam surgir conflitos e sofrimentos. Quanto a quem seriam os perseguidores, não há clareza na parábola, mas se analisarmos as controvérsias de Jesus com os fariseus, por exemplo, essa questão já fica mais evidenciada. Onde a mensagem será anunciada em culto, podemos identificar algum tipo de perseguição? Tem gente que demostra euforia, mas logo murcha? Qual a razão do esvaziamento? Pessoas abandonam a convivência comunitária por quais motivos? Elas se escandalizam por pensarem que tudo deveria ser perfeito, porém não é?

Quanto à questão das riquezas, a parábola afirma que o fascínio por elas sufoca a mensagem, fazendo com que ela não produza frutos. Predomina na Bíblia uma visão negativa em relação às riquezas. A categoria “riquezas” na Bíblia requer um entendimento mais detalhado e exige que, ao ser mencionada na mensagem do culto, se explicite a sua conceituação. É preciso entender por que, na maioria dos textos, ela é vista com desconfiança. Em termos gerais, os textos nos dizem que ela se torna um perigo porque passa a comandar e controlar a nossa vida, passa a ser o nosso deus, ou melhor, nosso ídolo. O problema da riqueza tem a ver com a forma como ela foi construída e com as distorções e desigualdades que ela gera. Vale dizer que o conceito “riquezas”, quando relacionado à “ansiedade por este século” se se contrapõe à “vida abundante” relacionada à mensagem evangélica.

4. Imagens para a prédica

Proponho usar vasos grandes, representando as diferentes situações apresentadas na parábola. Quando se representa a planta que produz muitos frutos, usar duas árvores iguais, porém, em uma delas pendurar frutas diferentes de sua produção natural, ou seja, se usar uma pitangueira, prender em uma delas de fato pitangas e, na outra, qualquer outro tipo de fruta. A ideia é questionar que tipo de fruto a mensagem de fato produz. Produz muito, porém, está claro qual a natureza do fruto que ela produz? Pitangueiras naturalmente produzem pitangas. Que nome têm os frutos que naturalmente a mensagem evangélica produz? É da natureza da fé evangélica produzir qual fruto? O que impede a produtividade está relativamente claro. Mas sabemos o que de fato devemos produzir sob a graça de Deus em Cristo? Quais são os frutos do Reino de Deus que aguardamos para o futuro e o que podemos desfrutar em forma de antecipação? Tudo se resume na questão do amor, mas como isso pode ser traduzido em questões que vão além de sentimentos, muitas vezes, abstratos e de palavreado repleto de retórica para trazer apenas euforia e emoções inflamadas?

4. Subsídios litúrgicos

A palavra-chave da celebração poderia ser produção. Sugiro usar o verbo frutificar. Sugiro que esses termos ou similares estejam presentes nos mais diversos elementos litúrgicos em forma de fio condutor. Criar um momento para que as pessoas reflitam sobre a produtividade da Palavra em suas vidas: que tipo de fruto produziu? Dá para melhorar? O que está atrapalhando? Elaborar uma liturgia do estilo mais introspectivo, lançando algumas perguntas-chaves. Ajudar para que cada pessoa, através da liturgia do culto, consiga olhar para si a partir da Palavra.

Bibliografia

BÍBLIA. Novo Testamento Grego. Nestle-Aland. 1994.
LIMA, Anderson de Oliveira; GARCIA, Paulo Roberto. Acumulai tesouros no céu: estudos da linguagem econômica do evangelho de Mateus. São Bernardo
do Campo: [s.n.], 2010.
SCHOLZ, Vilson; BRATCHER, Roberto G. Novo Testamento Interlinear Grego--Português. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004. 979 p.


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Autor(a): Adélcio Kronbauer
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 7º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 23
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2022 / Volume: 47
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 69508

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