Jornal Evangélico Luterano

Ano 2018 | número 814

Sexta-feira, 19 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 22:06

Unidade

Eu sou o SENHOR, teu Deus

As Ordens da Criação nesse contexto

O ensino de Lutero sobre as três Ordens da Criação se refere a um estado ideal que não existe mais. A natureza humana foi corrompida pelo pecado e, com isso, também as Ordens da Criação estão corrompidas. Ainda assim, todas elas permanecem sob a promessa de Deus e continuam sendo os âmbitos nos quais Deus atua e institui a existência humana. Deus oferece a possibilidade de reconciliação e de recomeço. A iniciativa divina de reconciliação teve a sua expressão máxima na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. A partir da fé em Cristo, Deus nos chama e capacita para uma nova existência (2Co 5.18-21).

A nossa configuração social é diferente e mais dinâmica que a socie dade da época medieval. A base da Economia mudou e a Política ganhou configurações diversas, inclusive com enorme desgaste e falta de credibilidade. A estrutura mais ou menos rígida das três Ordens está ultrapassada, mas os desafios éticos permanecem válidos. Em termos de função básica ideal, podemos dizer que a Igreja ensina a Palavra de Deus, a Economia sustenta a vida e a Política protege a vida.

A concepção de Lutero interligou âmbitos que eram considerados desiguais, separados e sobrepostos. Para o Reformador, Deus age mediante as três Ordens e todas as pessoas se colocam a serviço de Deus nas três Ordens. Esta é uma indicação importante para nós: cada pessoa é chamada a atuar com Deus nestes três âmbitos da vida.

Igreja (ensina a Palavra de Deus), Economia (organiza a produção e a distribuição justa dos meios de sustento da vida) e Política (zela pela boa convivência) são os instrumentos que Deus usa para evidenciar quem Ele é e o que Ele quer

A Igreja não se define pelo templo ou pela denominação. Igreja é o conjunto das pessoas que se congregam por causa da Palavra de Deus e dos Sacramentos. Na compreensão luterana, cada pessoa é chamada para ouvir o Evangelho, responder com gratidão e alegria, reunir-se em Comunidade, contribuir com recursos e dons, e dar testemunho da vontade de Deus no contexto em que vive. Lutero compreende esse testemunho como cooperação com Deus para o melhoramento do mundo. O que esta defi nição de Igreja significa para a nossa Comunidade, a nossa Paróquia e o nosso Sínodo?

Os modelos de Economia hoje vigentes são caracterizados por concentração de bens e renda, exploração de mão de obra, esgotamento e degradação dos bens naturais. Avaliando a sua realidade, Lutero não teve dúvidas em denunciar: ‘alguns vendem a sua mercadoria acima da cotação da praça’; ‘existem os que compram todo o estoque [...] para tê-lo em seu exclusivo poder e então poderem fixar o preço’; ‘como é possível [...] que um homem fique rico em tão pouco tempo, a ponto de conseguir comprar reis e imperadores?’ (OS, v. 5). Em que se diferencia a nossa Economia? Que testemunho nos cabe em favor de modelos econômicos que sustentem a vida? Considerando que os bens naturais são finitos, que mudanças são necessárias para garantir as condições de vida das gerações futuras?

A tarefa da Política consiste em punir o mal, ordenar a convivência e proteger a vida, promovendo uma Economia pautada pela justiça. A Polí- tica jamais deve se tornar instrumento para a prática do mal e a obtenção de privilégios pessoais. Na explicação do Cântico de Maria, Lutero enfatiza: ‘Enquanto a terra existir, tem que haver autoridade, governo, poder e tronos, mas Deus não tolera por muito tempo que abusem deles e os usem em oposição a Ele, para praticar injustiça e violência’ (Magnificat). A partir da compreensão que a Política é um âmbito necessário e que dele somos parte natural, cabe-nos a tarefa de avaliar ações políticas e trabalhar para a superação de confrontos e polarizações inadequadas. A Teologia evangélicoluterana oferece subsídios significativos para contribuir na definição do papel da Política como meio de proteção da vida, promovendo paz e justiça. Conseguiremos dar esse passo diferenciado?

Lema: Eu sou o SENHOR, teu Deus

Ao caminhar pela cidade de Atenas, o apóstolo Paulo constatou que ali eram adorados muitos deuses. Havia um altar com a inscrição: Ao Deus Desconhecido. Paulo aproveitou para afirmar: Esse Deus que vocês adoram sem conhecer é justamente aquele que eu estou anunciando (At 17.23). Quem é esse Deus?

Quinze séculos depois, Martim Lutero constatou que a questão do apóstolo precisava ser retomada. Porque Deus criou todas as coisas, o ser humano teria condições de conhecer algo de Deus (Rm 1.18-21). O problema é que esse conhecimento natural de Deus foi corrompido pelo pecado. Após a queda (Gn 3), a razão humana pode apenas reconhecer que existe Deus, porém não conhece quem é Deus: ‘O principal que se perdeu na alma é o conhecimento de Deus, que não lhe rendemos graças em toda parte’, constata o Reformador. Quem é Deus? O Lema do Ano contribui para responder esta pergunta.

Igreja, Economia e Política são utilizadas por Deus para efetivar a sua vontade no mundo. Em uma perspectiva cristã, nisto podemos confi ar e em favor disso nos empenhamos, pois é Deus quem diz: Eu sou o SENHOR, teu Deus!

Após o livramento da escravidão do Egito (Ex 14 ss.), a caminho da terra que mana leite e mel (Ex 3.8), o grupo hebreu saciava sua fome e sede com o que Deus lhe provia (Ex 16-17). Para consolidar a liberdade alcançada, Deus estabeleceu um pacto: Se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade peculiar dentre todos os povos (Ex 19.5). Que promessa! Que perspectiva de vida! A melhor possível, mas os fatos demonstram que a efetivação dessa perspectiva não foi (e não é!) tão simples assim

Deus ensinava o povo por meio de Moisés, que se retirava para o alto de um monte a fim de receber as orientações divinas. O primeiro conjunto de leis que Deus anunciou inicia com uma afi rmação: Eu sou o SENHOR, teu Deus (Ex 20.2). Esta expressão é recorrente no contexto do Êxodo  (Ex 6.2 e 8). É afirmação repetida e pela qual Deus diz quem Ele é. Ao receber outro conjunto de leis (Ex 24.12ss), Moisés demorou para retornar, por isso o grupo decidiu moldar deuses para irem à sua frente (Ex 32.1-4). Com esse gesto, o povo deixou de confiar em Deus e praticou idolatria. A idolatria não consiste na mera fabricação de ídolos, mas na confi ssão de que teriam sido eles que o libertaram da escravidão. A este povo, que não compreende a sua liberdade e a sua vocação, Deus afirma: Eu sou o SENHOR, teu Deus! Quem sou eu? Fui eu que te tirei da terra do Egito, da casa da escravidão. Essa é a razão pela qual ‘não terás outros deuses diante de mim’ (Ex 20.2-3).

Em meio a altares já existentes e outros tantos novos criados, Deus revela quem Ele é. É Deus que liberta e caminha com seu povo. É insuficiente dizer que Deus existe. É necessário afi rmar quem é Deus. Para Lutero, o Primeiro Mandamento é o mais importante, pois Deus representa aquilo do qual se pode esperar todo o bem. Neste Mandamento, Deus está dizendo: ‘Deixe somente eu ser seu Deus e nunca procure nenhum outro, ou seja, o que lhe fizer falta, espere-o de mim, procure-o junto a mim. Quando você estiver passando por infortúnio e aperto, arraste-se para junto de mim e fique comigo, EU é que lhe darei o suficiente e ajudarei em toda necessidade’ (Catecismo Maior).

Deus se fez humano em Jesus Cristo. A vida, morte e ressurreição de Cristo revelam quem é Deus: um Deus misericordioso que oferece perdão, justificação e uma nova oportunidade (Mc 14.24). Pela reconciliação em Cristo e a sua resposta de fé, o ser humano é nova criatura (2Co 5.17), chamada a atuar em cooperação com Deus nos três âmbitos da vida. Pela força do Espírito Santo, que cria comunhão, orienta e promove o testemunho, o ser humano atua a serviço de Deus para o melhoramento do mundo.

Igreja (que ensina a Palavra de Deus), Economia (que organiza a produção e a distribuição justa dos meios de sustento da vida) e Política (que zela pela boa convivência humana) são os instrumentos que Deus usa para evidenciar quem Ele é e o que Ele quer. Na argumentação de Lutero, Igreja, Economia e Política são utilizadas por Deus para efetivar a sua vontade no mundo por Ele criado. Em uma perspectiva cristã, nisto podemos confiar e em favor disso nos empenhamos, pois é Deus quem diz: Eu sou o SENHOR, teu Deus! 

P. Dr. Nestor Friedrich,
Pastor Presidente da IECLB
(Texto Motivador - parte 2/2)

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