Jornal Evangélico Luterano

Ano 2018 | número 813

Sexta-feira, 19 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 17:57

Unidade

Eu sou o SENHOR, teu Deus

Por que este Tema do Ano?

Igreja, Economia, Política. Por que a IECLB escolheu estas três palavras para compor o Tema do Ano de 2018? O que Igreja tem a ver com Economia e Política? Quem, na história da Igreja, relacionou essas três palavras? Por quê?

Deus viu que era muito bom tudo aquilo que havia criado (Gn 1). O ser humano foi colocado em um belo espaço para viver. Tinha liberdade e podia cooperar com Deus. O ser humano, porém, rompeu com Deus e caiu em pecado (Gn 3). Deus, por seu lado, não desiste do ser humano e, em Jesus Cristo, promove reconciliação (Rm 5.10). Tal ato de Deus faz de nós seus cooperadores e suas cooperadoras (2Co 6.1). É nesse encontro entre ação de Deus e cooperação humana que Lutero identifica e descreve a relação entre Igreja, Economia e Política. Para ele, estes três âmbitos da vida são Ordens da Criação divina e podem ser também denominados de hierarquias ou estamentos: ‘A Bíblia fala e ensina sobre as obras de Deus, a respeito do que não há dúvida. Essas, no entanto, estão divididas em três hierarquias: Economia, Política e Igreja (A Teologia de Martim Lutero).

A comemoração dos 500 anos da Reforma renovou o interesse por assuntos fundamentais da tradição evangélico-luterana. Com o Tema do Ano 2018, trazemos à tona esta temática da Reforma por entendermos que continua relevante e é oportuna no atual cenário brasileiro e mundial.

A comemoração dos 500 anos da Reforma renovou o interesse por assuntos da tradição evangélico-luterana. Com o Tema 2018, esta relevante temática da Reforma é trazida à tona, pois é oportuna no atual cenário brasileiro e mundial.

O que são as Ordens da Criação?

Lutero fala em Economia, Política e Igreja a partir de três funções consideradas essenciais para a organização social em sua época: alimentar, proteger e ensinar. As duas primeiras funções têm origem em um antigo conceito de sociedade baseado nos âmbitos privado e público.

 A casa, chamada de oikos na Língua Grega, era o âmbito privado e a unidade básica de produção. Oikos abrangia a casa propriamente dita e tudo aquilo que estava vinculado a ela: as pessoas com laços de parentesco, empregadas e empregados, proprie dades, animais. A partir do oikos, surgiu a Economia (oikonomia), que era essencialmente agrária.

O âmbito público era determinado pela cidade, chamada de polis. A polis tinha função administrativa e jurídica e era composta por vilarejos e territó- rios. Do termo grego polis se originou a palavra Política. A Política tem a ver com a organização do espaço público, mas também tem infl uência no âmbito privado.

A Igreja (ecclesia), com a função de anunciar e ensinar, foi acrescentada mais tarde a este esquema grego de sociedade.

 Considerando as funções de alimentar, proteger e ensinar, é possível dizer que:

- a responsabilidade de alimentar estava a cargo das pessoas agricultoras e artesãs. Este era o âmbito da Economia, a produção baseada no oikos;

- a responsabilidade de proteger era atribuição dos membros da nobreza. Aqui temos o âmbito da Política, a organização da polis;

- a responsabilidade de ensinar cabia ao clero, e este é o âmbito da Igreja, a ecclesia.

Na Idade Média, esta determinação de funções se manifestava em uma organização social de classes separadas e profundamente desiguais: membros do clero, pessoas nobres e povo comum. Lutero, entretanto, entendia  que Igreja, Economia e Política não formam categorias isoladas e sobrepostas. De acordo com o Reformador, Deus organiza a existência humana em Igreja, Economia e Política e todo ser humano, particularmente a pessoa cristã, participa de igual forma nos três âmbitos. Um âmbito não é mais sagrado ou mais profano, mais espiritual ou menos espiritual do que o outro. As três Ordens da Criação são modos pelos quais Deus atua e por meio dos quais o ser humano, pela fé, coopera com Deus para o melhoramento do mundo.

De acordo com o Reformador, Deus organiza a existência humana em Igreja, Economia e Política. Assim, todo ser humano, particularmente a pessoa cristã, participa de igual forma nos três âmbitos, nas três Ordens da Criação.

Igreja

‘A Igreja é instituída sem muros e sem qualquer pompa, num lugar amplo e agradável. Essa é a instituição Igreja, antes que houvesse organização econômica e política [...]. [...] institui-se a Igreja antes de existir uma Economia doméstica. Pois, aqui, o Senhor prega a Adão e lhe apresenta uma palavra’ (Obras Selecionadas, v. 12).

Segundo Lutero, em sua forma originária, a Igreja consistia basicamente na Palavra que Deus dirige ao ser humano e na resposta de gratidão que Deus dele espera. No paraíso, Deus deu ao ser humano a Palavra e o Culto em sua forma mais pura e simples. A árvore da vida pode ser interpretada como lugar de Culto onde Deus serve com a sua Palavra e o ser humano responde em gratidão e obediência, por isso é que Lutero também parte do pressuposto que cada pessoa possui um conhecimento natural a respeito de Deus. É por isso que a Igreja podia existir antes mesmo de Jesus Cristo.

A Igreja é a ordem primordial, da qual procedem as outras duas. Para Lutero, o fato de a Igreja vir em primeiro lugar era um ‘sinal que o ser humano foi criado com um propósito diferente dos demais seres vivos’ (OS, v. 12). O ser humano foi criado para louvar a Deus e observar a sua Palavra aqui na terra, o que requer que providencie o necessário para a sua Economia (produção, reprodução e cuidado da vida). Depois de viver agradavelmente na terra, seria transferido para a eternidade.

Economia

Depois da instituição da Igreja, organiza-se também o regime doméstico, quando se dá Eva a Adão como parceira. [...] Portanto, depois que se estabeleceu a Igreja, também se confiou a organização econômica a Adão no paraíso (OS, v. 12).

Depois da Igreja, foi instituída a  Economia para proporcionar o sustento da vida. A esta Ordem pertencem todas as conexões familiares, bem como o esforço do ser humano para obter os seus meios de vida e o propósito de propagação da espécie. A Economia (oikonomia) engloba matrimônio, família e todas as relações de produção e de reprodução fundamentadas na casa (oikos).

De acordo com Lutero, é a partir do matrimônio que surgem a vida e o seu sustento, por isso o matrimônio e a família constituíam a base da Economia. Sob esta ótica, o Quarto Mandamento era considerado o maior dentre os que se referem à vida terrena.

Na compreensão de Lutero, Igreja e Economia subsistiam em sua forma ideal no paraíso. O ser humano, criado à semelhança de Deus, recebeu autonomia para organizar a sua vida. Deus esperava apenas que o ser humano o louvasse, se alegrasse nele e lhe obedecesse, sendo seu cooperador. Porém, em vez de viver responsavelmente a sua liberdade, o ser humano caiu em pecado. Afastou-se da vontade de Deus. Com a queda no pecado, a natureza humana foi corrompida. A produção e a reprodução perderam o seu ambiente natural e a Economia foi igualmente pervertida. Com isto, surge a necessidade de uma terceira Ordem: a Política.

Política

‘Tampouco houve organização política antes do pecado, porque não era necessária. Pois a organização política é o remédio necessário para a natureza corrompida’ (OS, v. 12).

Após a queda, a liberdade do ser humano se transformou em poder que ameaça a vida. Por este motivo, Deus instituiu a Política como uma disposição emergencial. A Política tem a sua expressão no poder coercitivo e punitivo do Estado, cuja tarefa é manter a ordem e proteger contra a corrupção. Ao mesmo tempo, a Política tem a função de promover a justiça econômica: ‘Precisamos de soberanos e autoridades que tenham olhos e ânimo para instaurar e manter a ordem em todos os negócios e transações comerciais, para que os pobres não sejam sobrecarregados e oprimidos, tendo que arcar com pecados alheios’ (Catecismo Maior).

Lutero não compreendia a Política apenas como mal necessário ou poder coercitivo. Ele reconhecia que Deus criou as pessoas para que se relacionassem de forma amistosa e pacífica. A partir desta predisposição para a organização social, a Política é também um elemento constitutivo e garantidor da existência humana. Isto faz com que cada ser humano participe da Política, seja como cidadão ou como pessoa que desempenha um cargo político.

P. Dr. Nestor Friedrich, Pastor Presidente da IECLB
(Texto Motivador - parte 1/2)

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