Missão com Famílias


ID: 2785

Matrimônio e Família: A Melhor Bênção

19/01/2017

 

Lado PALAVRA

MATRIMÔNIO E FAMÍLIA: A MELHOR BÊNÇÃO

Pastor Sidnei Vilmar Noé1

Diálogo, amor e fé. Esses são os três ingredientes que o pastor Dr. Sidnei Vilmar Noé, define como sendo os elementos fundamentais para a formação e manutenção de famílias saudáveis e bem estruturadas, psicoemocional e espiritualmente. Nesta entrevista, ele fala sobre a compreensão de família e matrimônio na Igreja Luterana e as questões que envolvem famílias em nossos dias.

Em que medida a reforma protestante, no século XVI, protagonizada por Martim Lutero, afetou o conceito de família e matrimônio vigentes à época? O que teve de novo?

Sidnei Vilmar Noé – O monge agostiniano Martim Lutero foi uma pessoa surpreendente. Ele não se contentou, nem se acomodou com as coisas como são. Ele queria que a realidade (o mundo, o povo, o governo, a igreja) fosse examinada à luz da Sagrada Escritura. Somente a Bíblia e somente Cristo são a base para que o cristão e a cristã possam avaliar-se a si mesmos e ao mundo à sua volta.

E foi neste seu criterioso estudo da Sagrada Escritura que Lutero encontrou o fundamento que veio a desencadear o movimento da Reforma: “O justo viverá por fé” (Romanos 1.17b). A partir deste critério bíblico-teológico foi reavaliando uma série de questões, entre elas a questão do matrimônio. Fé é dádiva de Deus, é graça de Deus para com as pessoas. E esse é o modo por excelência através do qual Deus se relaciona com a criação: Uma maneira graciosa, misericordiosa, amorosa e benevolente.

O matrimônio também é visto nesta perspectiva: ele é uma dádiva, uma bênção, manifestação da graça divina. Ele é presente de Deus às criaturas preferidas, como gesto de amor. O fundamento do matrimônio, enquanto instituição de Deus para as pessoas, Lutero encontra já no relato da criação, em Gênesis.

Lá nos é dito que o matrimônio tem dois objetivos básicos: que o ser humano não esteja só, mas que tenha a companhia de outrem e que a partir desta relação o ser humano possa se multiplicar e povoar a terra.

Neste sentido, Lutero valorizou o matrimônio e a família como sendo um estado melhor, como a situação normal, ordem para a humanidade. Isso teve repercussões profundas na sua época e reflexos até hoje. Em sua época, a união matrimonial era amplamente vista como uma forma inferior de servir a Deus. Os matrimônios eram, via de regra, arranjos feitos pelas famílias por interesses muitas vezes meramente materiais. Lutero prestigia a união matrimonial como a vontade original do Criador. E ele próprio tirou as consequências de sua redescoberta do Evangelho, largando a vida celibatária e casando-se com Katharina von Bora, a qual chamava carinhosamente no alemão de “meine Käthe”. Certa vez comentou: “Não trocaria minha Käthe pela França e por Veneza de brinde”. Teve com ela seis filhos: João, Elisabete, Madalena, Martim, Paulo e Margarete.

Qual era a compreensão de Martim Lutero sobre família e casamento?

Sidnei Vilmar Noé – Na família e no matrimônio as pessoas cristãs devem exercer sua vocação de amor diante de Deus e do próximo. Assim como no trabalho e na profissão, como na relação com os vizinhos e as vizinhas, na família se pratica o amor. E esta prática do amor significa entre tantas outras coisas, ouvir, dialogar, consolar, mas também exortar a outra pessoa.

Apesar do matrimônio ter sido instruído por Deus, como a ordem desejada, e isto não lhe dá um status de santificação, de pureza e de invulnerabilidade diante do mal. Muito pelo contrário, também dentro das relações familiares e no matrimônio a pessoa cristã continua exposta ao pecado. É necessário, pois, diariamente voltar os olhos a Deus em confissão de culpa e arrependimento para vencer o mal incrustado em nós mesmos e mesmas. Em outras palavras, o fato de ser viver em união conjugal não implica ser mais santo ou santa, nem mais pecador ou pecadora do que outras pessoas.

Isso significa também que, por causa do pecado e da fraqueza humana, o juramento feito diante de Deus muitas vezes é quebrado. Deus mantém sua bênção e sua aliança com o ser humano, mas o ser humano muitas vezes é incapaz de corresponder às alianças que ele mesmo, na melhor das intenções e com a mais profunda seriedade, contrai.

E, por fim, matrimônio é benção e não lei! Os votos matrimoniais são expressões do amor de duas pessoas livres, uma com a outra, diante de Deus e da comunidade. Por isso, o princípio que deveria nortear a relação conjugal, deveria ser de gratidão pela dádiva recebida.

Em que sentido as mudanças na estrutura familiar de nossos dias têm afetado a compreensão luterana sobre a família?

Sidnei Vilmar Noé – É bastante evidente a constatação que a estrutura familiar de hoje está passando por profundas transformações. Tem-se dito que ocorre uma espécie de “erosão” das instituições sociais, dentre elas a própria família. Por uma série de circunstâncias, as pessoas estão mais fragilizadas e sozinhas. Contrair matrimônio e ter filhos e filhas não é mais a única proposta, mediante a qual as pessoas esperam alcançar o sentido para sua vida e sua
felicidade. Há uma pluralidade de propostas, sendo que nem todas conseguem responder adequadamente aos anseios das pessoas. Ocorre muita desilusão tanto dentro, quanto fora do matrimônio.

A família é e continuará sendo a base para a vida e a sobrevida da humanidade. Não obstante, sua estrutura vai se transformar no decorrer dos tempos e nos respectivos contextos. Os cristãos e as cristãs em geral e os luteranos e as luteranas em especial devem acompanhar atentamente estes processos, no sentido de ajudar as pessoas em suas crises e sofrimentos. A prática do amor ao próximo e à próxima significa ir ao encontro das pessoas anunciando o amor, a graça e o perdão de Deus, seja qual for a causa do sofrimento.

A instituição família está em crise ou estamos vendo o surgimento de novos modelos de família?

Sidnei Vilmar Noé – Os momentos de crise são também momentos de novos desafios. A crise em si não é o problema. A questão é aproveitar o momento da crise para avançar, para amadurecer. Os novos modelos de convivência que vêm sendo ensaiados são propostas que surgem em meio à crise. Ao contrário de ameaçar a instituição família, eles aprofundam sua base e sua compreensão. Uma questão que parece se tornar cada vez mais imperativa é que se busca a autenticidade nos relacionamentos.

Por outro lado, as pessoas estão, cada vez mais, perdendo a capacidade de manter relações satisfatórias, duradouras e equilibradas. O matrimônio e a família também são um palco de conflitos múltiplos, diante dos quais as pessoas não têm encontrado mais as energias necessárias para sua resolução. E estes conflitos tendem a se intensificar, à medida que outras relações, como por exemplo, no trabalho, vão sendo fonte de frustrações. Trata-se de uma sobrecarga para família e para o matrimônio, quando se procura fazer dela uma espécie de “hospital para uma sociedade doente”.

Como a igreja, sendo uma família de famílias, pode tornar-se um centro de bem-estar familiar?

Sidnei Vilmar Noé – Bem, a igreja é a comunhão de todas as pessoas que creem em Jesus Cristo. Como tal, a pessoa cristã tem uma dupla determinação: é livre sobre todas as coisas e não está sujeita a ninguém; e, por outro lado, é servidora de todas as coisas e sujeita a todos. Sob este pano de fundo, todos e todas têm responsabilidade com todos e todas. Lutero falava no sacerdócio geral de todas as pessoas crentes.

Para que haja uma boa atmosfera na convivência familiar é necessário que as pessoas se comuniquem entre si; é preciso que ocorra respeito mútuo; é importante que se busque ouvir mais do que falar. A comunidade de fé também pode auxiliar as famílias: Ela pode ir ao encontro da formação dos filhos e das filhas, mantendo escolas de qualidade e que se ocupam com a formação do caráter; ela pode oferecer serviços de apoio, tanto no sentido material, quanto no sentido psicológico e espiritual.

A igreja, enquanto congregação de fiéis, também pode ser uma espécie de família na relação entre seus membros. Aliás, este foi o conceito de família que Jesus nos deixou: família como todos aqueles e todas aquelas que amam e fazem a vontade de Deus. Este é um constante desafio para a igreja: tornar a relação entre as pessoas tão satisfatória, intensa e profunda, quanto deve e pode ser a relação familiar.

Quais são os elementos fundamentais para a formação e a manutenção de famílias saudáveis e bem estruturadas, psicoemocional e espiritualmente.

Sidnei Vilmar Noé - Eu resumiria em três coisas: diálogo, amor e fé.

Lutero deu especial atenção para o papel dos pais na educação dos filhos e das filhas. Hoje essa educação está cada vez mais “terceirizada” (igreja, escola) por razões econômicas, geralmente. Quais são as tarefas indelegáveis dos pais e das mães, que sem as quais eles e elas deixam de exercer a sua paternidade ou maternidade?

Sidnei Vilmar Noé - A formação da personalidade e do caráter dos filhos e das filhas ocorre na família. Este papel é intransferível, inalienável e não pode ser “terceirizado”. Os pais e as mães, através de seu exemplo de vida, através de suas palavras, através de seus valores vão servindo de exemplo aos seus filhos e as suas filhas. À medida que não o fazem, seja qual for a razão, vão abrindo mão da formação de seus valores. Como substituição, o filho ou a filha vai buscar esses valores em outros lugares. Não raro, encontra-os na televisão, nos jogos de computador, nas gangues. E alguns desses valores dificilmente são conciliáveis com a fé cristã.

Nota:

1. Entrevista concedida ao jornalista Ricardo Fiegenbaum no Programa Comunidades Em União, da Rádio União FM, de Novo Hamburgo/RS, em outubro de 2001.


Este estudo teve a linguagem revista e atualizada. A proposta integra o volume 3 da Coleção Palavração denominado “Graça e Fé: temperos para a vida”, publicado em 2003 pelo Departamento Nacional para Assuntos da Juventude da IECLB – DNAJ, sob a coordenação de Cláudio Giovani Becker e impresso por Contexto Gráfica e Editora (ISBN 85-89000-14-1).


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